ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES SOBRE CUBA
Penso que para falar
sobre Cuba com propriedade, são necessárias quatro atitudes. Sendo “despir-se”
do pensamento capitalista que não permite enxergar outras formas de se viver em
sociedade; condenar sem pestanejar o embargo econômico do gigantesco EUA contra
uma pequena ilha; respeitar a soberania de um país com 11 milhões de habitantes
e finalmente visitar Cuba. Sem as quatro atitudes, só haverá paixão de prós e
contras.
Visitei o país durante
uma semana neste janeiro de 2020 acompanhado de pessoas maravilhosas e de muito
companheirismo, Alessandra Silva, Amauri Ceolim, Leonice Cazarim, Nivalda
Sguissardi e Rosefran Gonçales Cibotto, que ficarão na minha memória em um
momento tão significativo para mim.
Certamente as
considerações deles e delas serão diferentes das minhas em grande parte, exceto
pelo encantamento com o belo país e seu povo acolhedor e tão apaixonado pelo nosso
Brasil.
Vai ficar também na
minha memória o motorista de um Van que contratamos para alguns locais, o Luis que apelidamos de Ogrito. Extremamente
simpático, atencioso, brincalhão e que carregava no dedo um anel bonito. Quando
perguntei o que representava, me disse que ele era membro da maçonaria Imaginem
a minha surpresa, pois aqui no Brasil normalmente somente quem tem muitas
posses ou é um profissional liberal muito respeitado pode fazer parte. Ele é casado com uma argentina e tem um
filhinho.
Quem só viveu sob o
regime capitalista como nós brasileiros, muitas vezes não consegue nem imaginar
viver num regime socialista. Mas é preciso ter um pouco de humildade, para
perceber que também temos nossos problemas e o pior deles é habitar num dos
países mais desiguais do mundo com concentração de renda e riqueza brutais, e
parte significativa de pessoas vivendo em condições de pobreza e parte em
miséria absoluta , exceto para os insensíveis e egoístas, não podemos atestar que
isso seja motivo de orgulho para nós.
O embargo econômico
contra Cuba foi condenado por 187 países na ONU no final de 2019. Somente EUA,
Israel e para nossa vergonha, o Brasil votaram para sua manutenção. Não é
preciso escrever muito sobre isso, exceto afirmar que com esse crime, tudo fica
mais caro e dificultoso para Cuba em qualquer negociação internacional. Por
questões ideológicas o governo dos EUA que pressiona outros governos vassalos
tenta massacrar um povo que pensa diferente.
É preciso respeitar a
soberania de um povo que apesar de viver numa ditadura, ter muitas restrições, totaliza 11 milhões de
habitantes e que na população há uma expectativa de vida de quase 80 anos, para
os desinformados de plantão, em 2016
Cuba era 79,74 anos e no querido Brasil 75,71, baixíssima mortalidade infantil,
um alto índice de desenvolvimento humano – IDH e analfabetismo zero. E que tem
avanços interessantes na área da saúde e biotecnologia, vendendo vacinas para
mais de 30 países e rendendo muitas divisas nas exportações, sem contar a
extraordinária experiência com a exportação de saúde ao formar e disponibilizar
médicos e médicas para vários países obtendo divisas ou tão somente socorrendo
nos momentos de terremotos e furacões.
E finalmente é preciso
visitar o país, conversar, ver, sentir.
Da parte ruim, que pude
testemunhar, há salários muito baixos para funcionários públicos (aqui talvez o
governo pudesse melhorar) e quase todo cubano acaba sendo guia turístico e com
simpatia mostra os locais em troca de gorjeta. Há escassez de alimentos com
racionamento e isso é culpa do embargo. Nesse aspecto o governo está tentando
viabilizar o aumento de produção interna de alimentos. Há restrição de pessoas
de Havana para a região de praias de Varadero, embora acredito, seja estratégia
para incrementar o turismo que é a maior fonte de divisas do país. Não
testemunhei censura, mas se tiver, os brasileiros e brasileiras também
enfrentam em parte por aqui desde 2019.
Da parte boa:
Saúde e educação de
qualidade e gratuitas.
Segurança elogiada pela
população. Fiquei 4 dias em Havana, andei de carro, de ônibus e também a pé,
inclusive em horários depois da meia noite, em vários locais e não percebi uma
ação suspeita, não há brigas nas ruas, totalmente seguro. Eu e companheiros e
companheiras andávamos tranquilos, apenas preocupados com o trânsito meio
desorganizado, (por aqui o trânsito é um “espetáculo). Inclusive, segundo um policial que abordei,
não há presídio na capital, há detentos em outras localidades, nesse quesito
talvez não se proceda.
Utilizei internet
(ainda muito cara e de difícil acesso porque nem todos os espaços recebem o
sinal) e acessei sites aqui do Brasil
que não são favoráveis ao modelo de Cuba.
Assisti a um filme
cubano, numa sala de cinema para mil e trezentas pessoas.
Assisti uma peça de
humor numa das diversas salas de Teatro de Havana e apesar da incompreensão da
língua em algumas partes, pelo talento dos atores e na simples observação da expressão
corporal, ao menos da minha parte, dei muita risada e em vários momentos percebi que há críticas em alguns aspectos do regime. Isso
é salutar pois humoristas existem para isso mesmo. Embora em determinado país
da América do Sul atualmente, humoristas são censurados por criticar o governo.
Assisti alguns
espetáculos de dança e várias apresentações musicais de vários estilos. Havana
tem música e arte na alma. Testemunhamos a habilidade de um artista
reproduzindo telas com fotos de um celular com maestria. Aliás, ao contrário do
que eu imaginava, praticamente todos os jovens que vimos têm celular e a
população em geral também.
Há os famosos carros
antigos e o que para alguns seja motivo de atraso, para mim é nostalgia pura. É
impossível não desejar andar neles e tirar fotos. Penso que mal comparando,
quando os carros antigos de Cuba deixarem de existir é a mesma simbologia do
possível desaparecimento da família real da coroa britânica. Para os consumistas
desesperados, por lá também tem carros novos, belas vans e tem motocicletas
novas também.
Não vi moradores de rua
e fui abordado apenas duas vezes por pedintes. Sou capaz de apostar que Havana
com 2 milhões de habitantes tem menos pedintes e moradores de rua que minha
querida Campo Mourão com aproximadamente 100 mil pessoas. Isso me faz lembrar a
famosa frase do presidente Fidel Castro naquele discurso memorável na ONU “hoje
milhões de crianças dormirão na rua, nenhuma delas é cubana. Continua atual.
Há moradias bonitas e
há moradias deterioradas pelo tempo, mas não há uma mansão. Um bom sinal. Ao
menos nas partes em que visitamos de ônibus na Havana nova e na velha. Para os
desesperados acalmem-se, há propriedades privadas por lá, vimos várias plaquinhas
de “se vende”, assim que eles escrevem. Perguntei para um vendedor fabricante
de bolsas, quadros e outros artigos de artesanato, numa pequena porta na avenida
à beira mar quanto ele pagava de aluguel. Era um dos prédios meio deteriorados
com dois cômodos ele disse que havia comprado do governo. Nos fundos produzia
junto com seu primo e na frente vendia. Trabalhando com dignidade e alegrando
os turistas.
Também nas imperdíveis
vielas apertadas de prédios mais antigos, pessoas com o pequeno comércio na
frente e residindo na parte dos fundos. Sobrevivendo e alegrando os turistas. A
quantidade de restaurantes nas ruas apertadas é incrível e meus amigos que já
visitaram a Europa disseram que pareciam estar numa rua da Itália, por exemplo.
Me fez lembrar agora, da
fala de um vocalista de uma banda em que fomos assistir música e apresentação de
dança num prédio luxuoso de 25 andares, por 10 CUCs (moeda local para turistas quase equivalente ao dólar) a entrada. No show no último
andar a cobertura se abre e se vê as estrelas, muito interessante. Ele com um
orgulho danado dizia “no nosso país aprendemos a passar a vida improvisando”.
Para quem é insensível isso é sinal de dificuldade, para quem tem sensibilidade
isso é sinal de resistência e amor à sua terra.
Há cooperativas de
trabalhadores e vendedores, há placas de reformas de prédios com a seguinte
expressão: OBRA EM EJECUCIÓN – Proyecto de desarrollo local:Economias creativas
e placas do tipo: “AREA DE VENTA PARA TRABALHADORES POR CUENTA PROPIA”.
Não há latifúndio na zona
rural. Para mim, uma maravilha. Poucas coisas são tão injustas que os grandes latifúndios
de terras.
Há belíssimos
monumentos e atrações com destaque para o Capitólio que foi restaurado e é de
tirar o folêgo. Muitos prédios estão
sendo restaurados com recursos de parceria de outros países especialmente
porque Havana completou 500 anos em 2019.
Há cooperação de outros
países que não se abaixam para os EUA e preocupam-se com o bem estar de um
povo. Vimos um caminhão coletor de lixo moderno e na lataria estaria escrito:
já traduzido “Colaboração do povo japonês”.
O nível educacional dos
atendentes dos hotéis é muito bom e se comunicam em várias línguas estrangeiras,
especialmente o inglês. Até na “rota do
tabaco” em que conhecemos e visitamos uma propriedade que cultiva o tabaco,
um dos membros da família falava fluentemente o inglês. Ele fez um charuto ali
na frente de todos e nos convidou a participar daquele momento simbólico, fumar
um charuto em que se passa mel na parte que vai à boca para se misturar ao
gosto do tabaco. Segundo ele era a forma que Fidel fumava. Certamente nas
outras diversas propriedades havia alguém com inglês fluente para se comunicar
com os turistas.
As praias são
paradisíacas e a vegetação belíssima nas estradas e nos parques.
Na zona rural
em que visitamos, quase 100% das moradias são pintadas com cores muito vivas. Um
detalhe que chamou a atenção foi ver a tração animal com dois bois arando a
terra. Na hora eu achei aquilo um atraso, depois fui ler no jornal um pronunciamento
do Presidente Miguel Diaz Canel Bermúdez e lá e ressaltava a importância do uso
da tração animal para evitar utilização de combustíveis que devem ser usados
para situações mais necessárias. Na escassez os pontos de vista são diferentes.
O sindicalismo é forte
e inclusive apoiado pelo governo. Tivemos a oportunidade de conversarmos por um
longo momento com um representante do Sindicato dos professores universitários
da Universidade de Havana. Por lá, embora haja somente um partido político,
diferente da infinidade que existe por aqui e que grande parte dos políticos
troca como se troca de camisa, o debate lá intenso. Segundo o sindicalista a
cada dois anos se faz um congresso e discute os avanços e se planeja as melhorias.
Conversei com um
professor universitário (está numa das fotos) diretor do curso de história da Universidade
de Havana e ele informou que Turismo, Tabaco, Rum, Café e Açúcar geram muitas
divisas mas a biotecnologia com a produção de vacinas será em breve a segunda
fonte de divisas do país. Por curiosidade fui pesquisar e eles vendem vacinas
para mais de 30 países, tem mais de 600 patentes na área de vacinas, proteínas
recombinantes, anticórpios monoclonais, equipamento médico com software
especial e sistemas de diagnósticos. E pasmem,
encontrei até uma publicação no UOL de 2018 em que uma parceria entre Cuba e
EUA criam a primeira empresa mista de biotecnologia para produzir medicamentos e
terapias contra o câncer.
Há hotéis para todos os
gostos e bolsos, inclusive vários belíssimos.
A educação formal é
obrigatória até o nono ano. O percentual de pessoas com ensino superior é alto.
A liberdade religiosa
existe, igrejas católicas, evangélicas e as religiões afro estão por lá.
A pessoa mais venerada
por lá é um argentino chamado Ernesto Che Guevara. Em todos os cantos tem uma
foto dele. E frases dele por todo lado.
Conhecer Cuba era um
sonho desde o meu período de graduação em economia lá pelos anos 1990 e já naquela
época eu ouvia falar do jornal Granma. No último dia por lá, andando numa
belíssima e limpa praça cheia vendedores, lembrei de comprar um jornal para
recordação e comecei a perguntar para uns senhores sentados e não me fazia
entender, até que eu disse notícias do dia e um senhor elegante, fumando um
charuto, abriu a pasta e me entregou o jornal do dia. ÓRGANO OFICIAL DEL COMITÊ
CENTRAL DEL PARTIDO COMUNISTA DE CUBA - Enero de 2020, año 62 de la Revolución – No.
21 – Año 56 – Cierre 12:00 A.M. Edición Única – La Habana. Eu quis é pagar e
ele me disse “é um mimo”. Achei de uma grande delicadeza e disse que no Brasil
muita gente gosta de Cuba.
Segundo vários depoimentos,
Cuba esteve num momento muito bom com o apoio da antiga URSS, depois quase
entrou em colapso, depois melhorou, está em dificuldade mas está melhorando e o turismo é a maior aposta. Quem sabe eu
volte por lá daqui uns cinco anos para conferir se houve mudanças, mas aí é só
quizás, quizás, quizás ...
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