Hoje recebi com prazer, um email do companheiro do MST aqui da região da COMCAM, o Natal um cara lutador e que de vez em quando nos encontramos em alguns eventos. Ele me mandou uma série de depoimentos que vou publicar na íntegra no Blog em três partes, para que todos leiam, reflitam, façam críticas, etc e tal.
FATOS E CONTRADIÇÕES - PARTE 1:
Uma contradição persegue o  Brasil 
 Sumário:
Uma contradição persegue o  Brasil
Governo de coalizão. Indispensável  ou uma opção?
Pacto que se renova. O Brasil moderno preso ao Brasil  arcaico
Há limites para a coalizão de governo?
Coalizão, governança e  religião: a anulação do debate
Faxina de Dilma sequer arranhou a coalizão de  governo
É possível “gestão eficiente” num governo de  coalizão?
Conjuntura da Semana em frases
 Eis a análise
 
 
 Governo de coalizão. Indispensável ou uma  opção?
“É  impossível entender o Brasil tradicional, o Brasil moderno e já  nesta  altura o Brasil pós-moderno, sem levar em conta essa tensa combinação de   moderno e tradicional que freia o nosso desenvolvimento social e  político e que  se renova a cada momento”. A afirmação é do sociólogo José de Souza  Martins em seu último livro intitulado A  Política do Brasil Lúmpen e Místico [Editora Contexto, 2011].
No   livro, o sociólogo retoma a tese de que “somos estruturalmente uma  sociedade de  história lenta”, tema abordado em outra obra sua – O Poder do Atraso -  Ensaios de Sociologia da história Lenta  [Editora Hucitec – 1994]. Nas obras,  sobressai a contradição que nos  persegue: “O Brasil moderno pagando propina ao  Brasil arcaico para se  viabilizar”. A modernização brasileira não consegue  romper com o atraso  e, ainda mais inusitado, parece precisar dele para seguir em  frente.
As amarras que ligam o Brasil moderno ao Brasil atrasado  prosseguem no governo de coalizão herdado por Dilma de Lula. As  últimas semanas foram pródigas em confirmar o pacto entre as elites modernas e  as tradicionais: a nomeação do deputado Aguinaldo  Ribeiro (PP-PB), o cai não cai do ministro da  Integração Nacional Fernando Bezerra de Souza Coelho (PSB-PE), a postura arrogante do deputado Henrique Eduardo  Alves (PMDB-RN) que quis intimidar publicamente a presidenta, a pretensa  aliança entre o PT paulista e o prefeito de São Paulo Gilberto  Kassab (PSD-SP), a “agenda imposta” pelas bancadas evangélica e  ruralista.
Em todos esses casos recentes – outros poderiam ser citados –,  vê-se como de fato funciona o governo de coalizão. A denominada realpolitik que defende a tese de que é preciso muitas vezes recuar para paradoxalmente  avançar.
Pacto que se renova. O Brasil moderno preso ao Brasil  arcaico
Entre os fatos, a nomeação para o Ministério das Cidades do  deputado Aguinaldo Ribeiro  (PP-PB) põe a nu as entranhas da aliança entre  o “moderno” e o  “atrasado” e explicita a natureza e o caráter do governo de  coalizão.  Como escreve o sociólogo Luiz Werneck Vianna,   “o caso do deputado Aguinaldo Ribeiro, novo ministro guindado ao  vértice de  nossas instituições republicanas, é exemplar não por sua  trajetória pessoal, mas  pelo significado, digamos, macroestrutural de  que se investe”.
“Nele –  continua o sociólogo – por inteiro, se  põe em evidência o segredo de Polichinelo  da modernização brasileira,  que, desde sempre, de Vargas a JK,  passando pelo regime militar e que ora se renova, conquanto de modo velado, nos  governos Lula e Dilma Rousseff, se radica no pacto implícito –  quando necessário, explicitado – entre as elites modernas e as  tradicionais”.
O sociólogo recorda que "o deputado Aguinaldo  Ribeiro é neto do tristemente famoso usineiro Aguinaldo Velloso  Borges, chefe de baraço e cutelo do agreste paraibano, acusado de mandar  matar, em 1962, João Pedro Teixeira,  uma das maiores lideranças dos  trabalhadores do campo, então à frente  da Liga Camponesa de Sapé, quando se  destacou nacionalmente pela  firmeza na defesa dos direitos da sua categoria  social. Em 1983, o  mesmo usineiro Aguinaldo foi, mais uma vez, apontado   como responsável por mais um crime político, pois era disso que se  tratava, com  o assassinato sob encomenda de Maria Margarida Alves,  símbolo das lutas  feministas no País, cultuada na Marcha das  Margaridas, que desde 2000,  anualmente, desfila em avenidas de  Brasília".
O novo ministro das  Cidades, descendente de uma oligarquia do agreste paraibano, “ganhou” o ministério  após a queda do ministro Mario Negromonte, do mesmo partido. Na cota do  PP, o ministério ficou com Aguinaldo Ribeiro  por sua fidelidade ao  governo e pela condução, como líder da bancada  de aproximadamente 40 deputados,  a votar sempre fechado com o Palácio  do Planalto.
Segundo Werneck  Vianna, “está aí a  mais perfeita tradução da quasímoda articulação, no  processo de  modernização capitalista do País, entre o moderno e o atraso (...)  Para  quem é renitente em não ver, este é o lado obscuro do nosso   presidencialismo de coalizão, via escusa em que os porões da nossa  História se  maquiam e mudam para continuarem em suas posições de  mando”.
O sociólogo  lembra que o deputado federal pela Paraíba Aguinaldo Ribeiro (PP)  assumiu  um ministério resultante das lutas sociais e criado para se  dedicar à  erradicação dos problemas estruturais do mundo urbano.
Nesse sentido, diz  Werneck Vianna, “a nomeação para o Ministério das Cidades do deputado não  se pode perder no noticiário dos faits divers  da política nacional, nem  tanto pela falta de credenciais do indicado  para exercer os papéis na direção de  uma agência estratégica como essa –  cabe-lhe, como se sabe, administrar o  urbano, dimensão crucial da vida  contemporânea –, menos ainda por já ter  respondido em seu Estado a  processos por improbidade administrativa, mas,  sobretudo, pela sua  linhagem política, a revelar de modo contundente o que há de   reacionário na forma de imposição do nosso processo de modernização”.
O   que o sociólogo quer dizer é que o ministério das Cidades surgiu na  contramão da  história política protagonizada pelo novo ministro. Na  mesma época em que surgia  o ministério, no bojo da redemocratização  brasileira, o agora ministro, iniciava-se no mundo da  política num ambiente em que o seu avô  usineiro encomendava a morte da líder sindical Margarida Maria Alves, em  1983.
Margarida Alves foi  presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande  (PB)  e enfrentou os usineiros da região ao lutar pelos direitos  trabalhistas,  tais como: carteira de trabalho assinada e 13º salário,  jornada de trabalho de 8  horas e férias. A sindicalista foi assassinada  por um matador de aluguel com uma  escopeta calibre 12. O tiro a  atingiu no rosto, deformando sua face. No momento  do disparo, ela  estava em frente à sua casa, na presença do marido e do filho. O  livro Memória e Verdade, produzido durante o governo Lula, associa  o nome do avô do atual  ministro à encomenda da morte de Margarida  Alves.
O usineiro também é citado como um dos responsáveis pela  emboscada que vitimou João Pedro Teixeira em 1963, líder da Liga  Camponesa de Sapé. A morte do líder camponês é retratada no documentário,  Cabra Marcado Para Morrer, obra clássica do Eduardo  Coutinho, na época um jovem cineasta do  Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes  (UNE).  O documentário levou quase 20 anos para ser finalizado, uma vez  que as  filmagens na zona da mata paraibana foram interrompidas com o golpe de   1964.
No artigo intitulado ‘A cidade e o  sertão’ Werneck Vianna enfatiza a  contradição da nomeação do parlamentar do PP para  o ministério das  Cidades. O titular do ministério, proveniente de uma  linhagem política  clientelista, patrimonialista e autoritária não  combina com a tarefa de  coordenar uma pasta que surgiu na contramão de  tudo o que o novo ministro  representa.
O ministério das Cidades surgiu num contexto de retomada da  agenda urbana no país. A urbanista Ermínia Maricato  [nota 1] lembra que o  ministério veio ocupar um vazio institucional na  discussão sobre a política  urbana e o destino das cidades. Segundo  ela, em contraste com a pouca  importância dada pelo executivo federal à  questão urbana dos anos 1964 a 1985  nesse mesmo período consolidou-se  um forte movimento social que, sob a bandeira  da reforma urbana, reuniu  profissionais, lideranças sociais, sindicalistas,  ONGs, integrantes da  Igreja Católica, parlamentares e servidores  públicos.
A  urbanista destaca que nos anos 1980 esse movimento de luta  pela reforma  urbana, de luta pela moradia, redundou na criação do Ministério das   Cidades. O ministério, portanto, tem sua criação ligada a esse movimento  social  urbano que teve início ainda nos anos 1970 e que acumulou  forças nas duas  décadas seguintes na luta pela democratização do país e  dos espaços urbanos. O  primeiro ministro nomeado para o ministério foi  Olívio Dutra, que vinha  recomendado pela exitosa  experiência do Orçamento Participativo na administração  municipal de  Porto Alegre e respeitado interlocutor junto ao movimento  social.
O  novo ministro vem de outra história, do Brasil arcaico,  autoritário,  clientelista, refratário às lutas pela democratização do país e de   rejeição à participação popular.
A nomeação do ministro revoltou o  movimento social camponês. O dirigente do MST João Pedro  Stedile, afirmou que a “indicação é ofensiva  para todos os camponeses do Brasil”. Stedile chama de “lamentável” a  biografia familiar de Ribeiro e diz que a presidenta Dilma com  essa nomeação mancha o seu próprio passado de lutas.
Poucos dias antes da  nomeação de Aguinaldo Ribeiro para o Ministério das Cidades, outro  ministro ligado a oligarquias deu dores de cabeça à presidenta Dilma  Rousseff. Trata-se de Fernando Bezerra de Souza Coelho, ministro da  Integração Nacional.
Fernando Bezerra tem sua origem política  ligada ao coronelismo do clã  Coelho, conhecidíssimo em Pernambuco.  A  família Coelho administra  por quase 50 anos ininterruptos a cidade de  Petrolina, considerada a  principal economia do interior de Pernambuco e  importante polo  exportador de frutas. O ministro é neto de Clementino  Coelho,  conhecido como Coronel Quelê, figura lendária do sertão nordestino  que  criou 17 filhos e um império econômico que hoje abrange fazendas,  indústrias  e meios de comunicação pelo Nordeste.
Fernando Bezerra foi  indicado ao ministério da Integração nacional pelo governador de Pernambuco  Eduardo Campos, do PSB, partido que faz parte do amplo espectro do  governo de coalizão de Dilma.
O  ministro, faz poucas semanas, foi  acusado de ter destinado para  Pernambuco, sua base eleitoral, 90% das verbas de  prevenção e  preparação de desastres naturais, como enchentes e desmoronamentos.   Isso em pleno janeiro de aguaceiros país afora, problemas de  desmoronamento de  encostas e milhares de desabrigados.
O  ministro é acusado ainda de  nepotismo. Burlou o decreto antinepotismo  na administração federal ao manter o  irmão como presidente interino da  Companhia de Desenvolvimento do Vale do São  Francisco - Codevasf por  quase um ano. Indicou ainda integrantes da  família para exercer  funções em órgãos ligados à sua pasta e beneficiou parentes  com cerca  de  R$ 1 milhão pela desapropriação de terras na Bahia em  2011.
O caso do irmão à frente da Codevasf veio acompanhado de  mais denúncias.  Reservatórios de água  destinados a famílias que sofrem com a seca em  Pernambuco ficaram abandonados em  um terreno da estatal Codesvaf, em Petrolina (PE), base eleitoral do  ministro.
O  ministro teve ainda ativo papel na tentativa de substituição  das  cisternas de placas de alvenaria por cisternas de plástico. No episódio  que  ficou conhecido como a “guerra das  cisternas”, fez-se necessário a forte pressão  e mobilização do movimento social para que o governo mudasse de  opinião.
O caso das  cisternas  é particularmente importante porque  é revelador do desprezo de certa  elite política para com as propostas  construídas pelo movimento social  ao longo das últimas décadas em torno da  Articulação do Semi-Árido (ASA).
Para a ASA, a  implantação de uma cisterna é mais do que uma obra: é a construção de um  movimento. Segundo Naidison  Baptista,  coordenador da rede, “nós não somos  construtores de cisternas apenas,  nós somos uma rede de organizações da  sociedade civil que influencia na  política para o semiárido como parte do  processo democrático. Temos  orgulho de ter pautado o governo federal para a  construção de cisternas  e de políticas de convivência. Se você voar hoje sobre o  semiárido,  vai ver os pontinhos brancos. São as cisternas. As pessoas não entram   mais na fila da água em troca de voto. Cortamos a raiz do coronelismo do   Nordeste”, diz ele.
O coordenar da ASA,  destaca que se trata de  uma “mudança socioeconômica e política  importante em uma região historicamente  dominada por oligarquias em que  sempre coube aos sertanejos ou se submeter a  algum painho – ainda que  com pinta de moderno – ou migrar para o centro-sul. A  água estava  concentrada na mão de poucos. Com as cisternas, a água foi  repartida”,  resume Baptista.
Na tecnologia social da ASA,  a  implantação das cisternas não é vista como favor do governo, mas  como direito.  Não é assistencialismo, mas política pública.
Roberto  Malvezzi, conhecido nacionalmente como  Gogó, integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT),  afirma que  “há algumas décadas o Ministério da Integração Nacional é  reduto dos coronéis  nordestinos. Na era lulista o Ministério ficou  inicialmente com Ciro  Gomes. Ele se presume um  estadista. Pensou estrategicamente o  desenvolvimento do Brasil a partir  do Ceará”. Depois, continua ele, “saiu Ciro e  entrou Geddel Vieira Lima.  Aproveitou a pasta e dirigiu mais de 60% dos  recursos do Ministério  para a Bahia. Fez a base de sua campanha eleitoral para  governador no  vale do São Francisco com recursos do Ministério para as  prefeituras da  região. Trombou politicamente com Wagner, perdeu, está no  ostracismo político”.
Agora diz Gogó, “entra Dilma e o  Ministério foi para Fernando Bezerra Coelho, ex-prefeito de Petrolina, da  oligarquia reciclada dos Coelhos. Dominam a região há praticamente um século. É  aliado de Eduardo Campos e quer ser prefeito do Recife e eleger o filho  prefeito de Petrolina”.
Sobre o novo ministro, diz Gogó:  “Liberou  9,1 milhões de reais para o filho através de emendas  parlamentares, destinou 90%  dos recursos de prevenção de enchentes para  o Pernambuco, impôs 300 mil  cisternas de plástico para serem  distribuídas pela CODEVASF. Detalhe:  22.799 (38%) do lote inicial de 60 mil são para Petrolina e  região”.
Indignado, Gogó conclui  sua análise: “Era de se supor que  um Ministro da Integração Nacional  tivesse uma visão integrada do país. Mas, é  assim, com políticos miúdos  – salvo raras exceções – e com políticas miúdas que  tem sido  administrado esse Ministério. Enquanto o país de dimensões continentais   se desmancha pelas encostas com as enchentes de cada verão, a visão  paroquial  permanece no miolo dos ministros. Para piorar, Fernando Bezerra conta com  o aval da Presidente Dilma Rousseff,  inclusive para desmantelar a  convivência com o semiárido e ressuscitar  o coronelismo baseado no controle da  sede humana, agora pela doação de  cisternas de plástico”.
O uso da  titularidade do ministério  para beneficiar a família e sua base eleitoral é mais  uma demonstração  de como se processa a “história lenta” da sociedade brasileira.  Fernando Bezerra  faz parte da política do atraso. Sua família enriqueceu  na sombra da  ditadura militar e o êxito na política foi galgado ao uso dos   mecanismos da política clientelista.
Bezerra na Integração  Nacional, assim como o novo ministro do ministério das Cidades Aguinaldo  Ribeiro, são manifestações do poder que as oligarquias ainda têm e de quanto  ainda o “Brasil moderno” está preso ao “Brasil arcaico”.
Ao lado do clã  dos Coelho e do clã dos Ribeiro, outro político – do clã dos  Alves – desfilou toda a prepotência de um Brasil que se mantém ativo na  política nacional. Trata-se de Henrique Eduardo Alves (PMDB - RN). O líder do governo na Câmara  ameaçou a presidenta Dilma ao  saber que um apadrinhado político seu  corria o risco de ser demitido  por corrupção: "O governo vai brigar com metade  da República, com o  maior partido do Brasil? Que tem o vice-presidente da  República, 80  deputados, 20 senadores? Vai brigar por causa disso? Por que faria   isso?".
A afirmação de Henrique Eduardo Alves em tom desafiador  foi feita ao saber que o seu apadrinhado, Elias Fernandes Neto,  diretor-geral do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs),  seria demitido. O afilhado político de Henrique Alves foi acusado de usar  o Dnocs para favorecer bases eleitorais do seu padrinho político. De 47  convênios assinados pelo Dnocs com  prefeituras, 37 contemplaram cidades  do Rio Grande do Norte. Entre as  irregularidades estão pagamentos a sócios com  ligações políticas e  convênios com possíveis empresas de  fachada.
Henrique Alves é o mesmo que não faz muito tempo  emparedou o governo Dilma pela rápida liberação das emendas parlamentares  – reconhecido mecanismo do clientelismo político brasileiro.