quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

FATOS E CONTRADIÇÕES - PARTE 1

Hoje recebi com prazer, um email do companheiro do MST aqui da região da COMCAM, o Natal um cara lutador e que de vez em quando nos encontramos em alguns eventos. Ele me mandou uma série de depoimentos que vou publicar na íntegra no Blog em três partes, para que todos leiam, reflitam, façam críticas, etc e tal.

FATOS E CONTRADIÇÕES - PARTE 1:

Uma contradição persegue o Brasil

Sumário:

Uma contradição persegue o Brasil
Governo de coalizão. Indispensável ou uma opção?
Pacto que se renova. O Brasil moderno preso ao Brasil arcaico
Há limites para a coalizão de governo?
Coalizão, governança e religião: a anulação do debate
Faxina de Dilma sequer arranhou a coalizão de governo
É possível “gestão eficiente” num governo de coalizão?

Conjuntura da Semana em frases

Eis a análise

Governo de coalizão. Indispensável ou uma opção?

“É impossível entender o Brasil tradicional, o Brasil moderno e já nesta altura o Brasil pós-moderno, sem levar em conta essa tensa combinação de moderno e tradicional que freia o nosso desenvolvimento social e político e que se renova a cada momento”. A afirmação é do sociólogo José de Souza Martins em seu último livro intitulado A Política do Brasil Lúmpen e Místico [Editora Contexto, 2011].

No livro, o sociólogo retoma a tese de que “somos estruturalmente uma sociedade de história lenta”, tema abordado em outra obra sua – O Poder do Atraso - Ensaios de Sociologia da história Lenta [Editora Hucitec – 1994]. Nas obras, sobressai a contradição que nos persegue: “O Brasil moderno pagando propina ao Brasil arcaico para se viabilizar”. A modernização brasileira não consegue romper com o atraso e, ainda mais inusitado, parece precisar dele para seguir em frente.

As amarras que ligam o Brasil moderno ao Brasil atrasado prosseguem no governo de coalizão herdado por Dilma de Lula. As últimas semanas foram pródigas em confirmar o pacto entre as elites modernas e as tradicionais: a nomeação do deputado
Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), o cai não cai do ministro da Integração Nacional Fernando Bezerra de Souza Coelho (PSB-PE), a postura arrogante do deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) que quis intimidar publicamente a presidenta, a pretensa aliança entre o PT paulista e o prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD-SP), a “agenda imposta” pelas bancadas evangélica e ruralista.

Em todos esses casos recentes – outros poderiam ser citados –, vê-se como de fato funciona o governo de coalizão. A denominada realpolitik que defende a tese de que é preciso muitas vezes recuar para paradoxalmente avançar.

Pacto que se renova. O Brasil moderno preso ao Brasil arcaico

Entre os fatos, a nomeação para o Ministério das Cidades do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) põe a nu as entranhas da aliança entre o “moderno” e o “atrasado” e explicita a natureza e o caráter do governo de coalizão. Como escreve o sociólogo
Luiz Werneck Vianna, “o caso do deputado Aguinaldo Ribeiro, novo ministro guindado ao vértice de nossas instituições republicanas, é exemplar não por sua trajetória pessoal, mas pelo significado, digamos, macroestrutural de que se investe”.

“Nele – continua o sociólogo – por inteiro, se põe em evidência o segredo de Polichinelo da modernização brasileira, que, desde sempre, de Vargas a JK, passando pelo regime militar e que ora se renova, conquanto de modo velado, nos governos Lula e Dilma Rousseff, se radica no pacto implícito – quando necessário, explicitado – entre as elites modernas e as tradicionais”.

O sociólogo recorda que "o deputado Aguinaldo Ribeiro é neto do tristemente famoso usineiro Aguinaldo Velloso Borges, chefe de baraço e cutelo do agreste paraibano, acusado de mandar matar, em 1962, João Pedro Teixeira, uma das maiores lideranças dos trabalhadores do campo, então à frente da Liga Camponesa de Sapé, quando se destacou nacionalmente pela firmeza na defesa dos direitos da sua categoria social. Em 1983, o mesmo usineiro Aguinaldo foi, mais uma vez, apontado como responsável por mais um crime político, pois era disso que se tratava, com o assassinato sob encomenda de Maria Margarida Alves, símbolo das lutas feministas no País, cultuada na Marcha das Margaridas, que desde 2000, anualmente, desfila em avenidas de Brasília".

O novo ministro das Cidades, descendente de uma
oligarquia do agreste paraibano, “ganhou” o ministério após a queda do ministro Mario Negromonte, do mesmo partido. Na cota do PP, o ministério ficou com Aguinaldo Ribeiro por sua fidelidade ao governo e pela condução, como líder da bancada de aproximadamente 40 deputados, a votar sempre fechado com o Palácio do Planalto.

Segundo Werneck Vianna, “está aí a mais perfeita tradução da quasímoda articulação, no processo de modernização capitalista do País, entre o moderno e o atraso (...) Para quem é renitente em não ver, este é o lado obscuro do nosso presidencialismo de coalizão, via escusa em que os porões da nossa História se maquiam e mudam para continuarem em suas posições de mando”.

O sociólogo lembra que o deputado federal pela Paraíba Aguinaldo Ribeiro (PP) assumiu um ministério resultante das lutas sociais e criado para se dedicar à erradicação dos problemas estruturais do mundo urbano.

Nesse sentido, diz Werneck Vianna, “a nomeação para o Ministério das Cidades do deputado não se pode perder no noticiário dos faits divers da política nacional, nem tanto pela falta de credenciais do indicado para exercer os papéis na direção de uma agência estratégica como essa – cabe-lhe, como se sabe, administrar o urbano, dimensão crucial da vida contemporânea –, menos ainda por já ter respondido em seu Estado a processos por improbidade administrativa, mas, sobretudo, pela sua linhagem política, a revelar de modo contundente o que há de reacionário na forma de imposição do nosso processo de modernização”.

O que o sociólogo quer dizer é que o ministério das Cidades surgiu na contramão da história política protagonizada pelo novo ministro. Na mesma época em que surgia o ministério, no bojo da redemocratização brasileira, o agora ministro,
iniciava-se no mundo da política num ambiente em que o seu avô usineiro encomendava a morte da líder sindical Margarida Maria Alves, em 1983.

Margarida Alves
foi presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande (PB) e enfrentou os usineiros da região ao lutar pelos direitos trabalhistas, tais como: carteira de trabalho assinada e 13º salário, jornada de trabalho de 8 horas e férias. A sindicalista foi assassinada por um matador de aluguel com uma escopeta calibre 12. O tiro a atingiu no rosto, deformando sua face. No momento do disparo, ela estava em frente à sua casa, na presença do marido e do filho. O livro Memória e Verdade, produzido durante o governo Lula, associa o nome do avô do atual ministro à encomenda da morte de Margarida Alves.

O usineiro também é citado como um dos responsáveis pela emboscada que vitimou João Pedro Teixeira em 1963, líder da Liga Camponesa de Sapé. A morte do líder camponês é retratada no documentário, Cabra Marcado Para Morrer, obra clássica do
Eduardo Coutinho, na época um jovem cineasta do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE). O documentário levou quase 20 anos para ser finalizado, uma vez que as filmagens na zona da mata paraibana foram interrompidas com o golpe de 1964.

No artigo intitulado ‘
A cidade e o sertãoWerneck Vianna enfatiza a contradição da nomeação do parlamentar do PP para o ministério das Cidades. O titular do ministério, proveniente de uma linhagem política clientelista, patrimonialista e autoritária não combina com a tarefa de coordenar uma pasta que surgiu na contramão de tudo o que o novo ministro representa.

O ministério das Cidades surgiu num contexto de retomada da agenda urbana no país. A urbanista Ermínia Maricato [nota 1] lembra que o ministério veio ocupar um vazio institucional na discussão sobre a política urbana e o destino das cidades. Segundo ela, em contraste com a pouca importância dada pelo executivo federal à questão urbana dos anos 1964 a 1985 nesse mesmo período consolidou-se um forte movimento social que, sob a bandeira da reforma urbana, reuniu profissionais, lideranças sociais, sindicalistas, ONGs, integrantes da Igreja Católica, parlamentares e servidores públicos.

A urbanista destaca que nos anos 1980 esse movimento de luta pela reforma urbana, de luta pela moradia, redundou na criação do Ministério das Cidades. O ministério, portanto, tem sua criação ligada a esse movimento social urbano que teve início ainda nos anos 1970 e que acumulou forças nas duas décadas seguintes na luta pela democratização do país e dos espaços urbanos. O primeiro ministro nomeado para o ministério foi Olívio Dutra, que vinha recomendado pela exitosa experiência do Orçamento Participativo na administração municipal de Porto Alegre e respeitado interlocutor junto ao movimento social.

O novo ministro vem de outra história, do Brasil arcaico, autoritário, clientelista, refratário às lutas pela democratização do país e de rejeição à participação popular.

A nomeação do ministro revoltou o movimento social camponês. O dirigente do MST
João Pedro Stedile, afirmou que a “indicação é ofensiva para todos os camponeses do Brasil”. Stedile chama de “lamentável” a biografia familiar de Ribeiro e diz que a presidenta Dilma com essa nomeação mancha o seu próprio passado de lutas.

Poucos dias antes da nomeação de Aguinaldo Ribeiro para o Ministério das Cidades, outro ministro ligado a oligarquias deu dores de cabeça à presidenta Dilma Rousseff. Trata-se de Fernando Bezerra de Souza Coelho, ministro da Integração Nacional.

Fernando Bezerra tem sua origem política ligada ao
coronelismo do clã Coelho, conhecidíssimo em Pernambuco. A família Coelho administra por quase 50 anos ininterruptos a cidade de Petrolina, considerada a principal economia do interior de Pernambuco e importante polo exportador de frutas. O ministro é neto de Clementino Coelho, conhecido como Coronel Quelê, figura lendária do sertão nordestino que criou 17 filhos e um império econômico que hoje abrange fazendas, indústrias e meios de comunicação pelo Nordeste.

Fernando Bezerra foi indicado ao ministério da Integração nacional pelo governador de Pernambuco Eduardo Campos, do PSB, partido que faz parte do amplo espectro do governo de coalizão de Dilma.

O ministro, faz poucas semanas, foi acusado de ter destinado para Pernambuco, sua base eleitoral, 90% das verbas de prevenção e preparação de desastres naturais, como enchentes e desmoronamentos. Isso em pleno janeiro de aguaceiros país afora, problemas de desmoronamento de encostas e milhares de desabrigados.

O ministro é acusado ainda de nepotismo. Burlou o decreto antinepotismo na administração federal ao manter o irmão como presidente interino da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco - Codevasf por quase um ano. Indicou ainda integrantes da família para exercer funções em órgãos ligados à sua pasta e beneficiou parentes com cerca de R$ 1 milhão pela desapropriação de terras na Bahia em 2011.

O caso do irmão à frente da Codevasf veio acompanhado de mais
denúncias. Reservatórios de água destinados a famílias que sofrem com a seca em Pernambuco ficaram abandonados em um terreno da estatal Codesvaf, em Petrolina (PE), base eleitoral do ministro.

O ministro teve ainda ativo papel na tentativa de substituição das cisternas de placas de alvenaria por cisternas de plástico. No episódio que ficou conhecido como a “
guerra das cisternas”, fez-se necessário a forte pressão e mobilização do movimento social para que o governo mudasse de opinião.

O
caso das cisternas é particularmente importante porque é revelador do desprezo de certa elite política para com as propostas construídas pelo movimento social ao longo das últimas décadas em torno da Articulação do Semi-Árido (ASA).

Para a ASA, a implantação de uma cisterna é mais do que uma obra: é a construção de um movimento. Segundo
Naidison Baptista, coordenador da rede, “nós não somos construtores de cisternas apenas, nós somos uma rede de organizações da sociedade civil que influencia na política para o semiárido como parte do processo democrático. Temos orgulho de ter pautado o governo federal para a construção de cisternas e de políticas de convivência. Se você voar hoje sobre o semiárido, vai ver os pontinhos brancos. São as cisternas. As pessoas não entram mais na fila da água em troca de voto. Cortamos a raiz do coronelismo do Nordeste”, diz ele.

O coordenar da ASA, destaca que se trata de uma “mudança socioeconômica e política importante em uma região historicamente dominada por oligarquias em que sempre coube aos sertanejos ou se submeter a algum painho – ainda que com pinta de moderno – ou migrar para o centro-sul. A água estava concentrada na mão de poucos. Com as cisternas, a água foi repartida”, resume Baptista.

Na tecnologia social da ASA, a implantação das cisternas não é vista como favor do governo, mas como direito. Não é assistencialismo, mas política pública.

Roberto Malvezzi, conhecido nacionalmente como Gogó, integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), afirma que “há algumas décadas o Ministério da Integração Nacional é reduto dos coronéis nordestinos. Na era lulista o Ministério ficou inicialmente com Ciro Gomes. Ele se presume um estadista. Pensou estrategicamente o desenvolvimento do Brasil a partir do Ceará”. Depois, continua ele, “saiu Ciro e entrou Geddel Vieira Lima. Aproveitou a pasta e dirigiu mais de 60% dos recursos do Ministério para a Bahia. Fez a base de sua campanha eleitoral para governador no vale do São Francisco com recursos do Ministério para as prefeituras da região. Trombou politicamente com Wagner, perdeu, está no ostracismo político”.

Agora diz Gogó, “entra Dilma e o Ministério foi para Fernando Bezerra Coelho, ex-prefeito de Petrolina, da oligarquia reciclada dos Coelhos. Dominam a região há praticamente um século. É aliado de Eduardo Campos e quer ser prefeito do Recife e eleger o filho prefeito de Petrolina”.

Sobre o novo ministro, diz Gogó: “Liberou 9,1 milhões de reais para o filho através de emendas parlamentares, destinou 90% dos recursos de prevenção de enchentes para o Pernambuco, impôs 300 mil cisternas de plástico para serem distribuídas pela CODEVASF. Detalhe: 22.799 (38%) do lote inicial de 60 mil são para Petrolina e região”.

Indignado, Gogó conclui sua análise: “Era de se supor que um Ministro da Integração Nacional tivesse uma visão integrada do país. Mas, é assim, com políticos miúdos – salvo raras exceções – e com políticas miúdas que tem sido administrado esse Ministério. Enquanto o país de dimensões continentais se desmancha pelas encostas com as enchentes de cada verão, a visão paroquial permanece no miolo dos ministros. Para piorar, Fernando Bezerra conta com o aval da Presidente Dilma Rousseff, inclusive para desmantelar a convivência com o semiárido e ressuscitar o coronelismo baseado no controle da sede humana, agora pela doação de cisternas de plástico”.

O uso da titularidade do ministério para beneficiar a família e sua base eleitoral é mais uma demonstração de como se processa a “história lenta” da sociedade brasileira. Fernando Bezerra faz parte da política do atraso. Sua família enriqueceu na sombra da ditadura militar e o êxito na política foi galgado ao uso dos mecanismos da política clientelista.

Bezerra na Integração Nacional, assim como o novo ministro do ministério das Cidades Aguinaldo Ribeiro, são manifestações do poder que as oligarquias ainda têm e de quanto ainda o “Brasil moderno” está preso ao “Brasil arcaico”.

Ao lado do clã dos Coelho e do clã dos Ribeiro, outro político – do clã dos Alves – desfilou toda a prepotência de um Brasil que se mantém ativo na política nacional. Trata-se de
Henrique Eduardo Alves (PMDB - RN). O líder do governo na Câmara ameaçou a presidenta Dilma ao saber que um apadrinhado político seu corria o risco de ser demitido por corrupção: "O governo vai brigar com metade da República, com o maior partido do Brasil? Que tem o vice-presidente da República, 80 deputados, 20 senadores? Vai brigar por causa disso? Por que faria isso?".

A afirmação de Henrique Eduardo Alves em tom desafiador foi feita ao saber que o seu apadrinhado, Elias Fernandes Neto, diretor-geral do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), seria demitido. O afilhado político de Henrique Alves foi acusado de usar o Dnocs para favorecer bases eleitorais do seu padrinho político. De 47 convênios assinados pelo Dnocs com prefeituras, 37 contemplaram cidades do Rio Grande do Norte. Entre as irregularidades estão pagamentos a sócios com ligações políticas e convênios com possíveis empresas de fachada.

Henrique Alves é o mesmo que não faz muito tempo emparedou o governo Dilma pela rápida liberação das emendas parlamentares – reconhecido mecanismo do clientelismo político brasileiro.

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