quinta-feira, 26 de maio de 2011

A TODOS E A TODAS ESTÁ CORRETO?

Recebi um email do estudante de economia e radialista Adelmo Nunes com a seguinte preocupação:

"Recentemente algo tem me chamado muito a atenção (principalmente em alguns discursos políticos e/ou universitários) na utilização da Língua Portuguesa. Refiro-me ao termo "a todos e a todas", pois tenho visto o uso frequente do mesmo na abertura de vários discursos. Diante de tal dilema, fiquei me perguntando se o termo está gramaticalmente correto, ou trata-se apenas de mais um "modismo" tão corriqueiro na nossa "maltratada" Língua. De qualquer forma, pesquisei a respeito e encontrei várias explicações para tal fenômeno.

O internauta Adelmo enviou ainda um texto extraido da Revista Veja sobre o assunto:

Todos e todas, brasileiros e brasileiras

“‘Boa noite a todos e a todas’ está correto? Virou moda entre alguns políticos de minha cidade se referir a ‘todos e todas’. Todos não engloba… todas?” (Leonardo Concon)

"É claro que engloba. Trata-se de um princípio gramatical do português, que não herdou do latim o gênero neutro: cabe ao masculino quebrar o galho nesse papel, abarcando também o feminino. A rebelião de certos falantes contra isso, que deu no modismo que intriga o leitor, é um dos aspectos da onda politicamente correta que, a partir do último quarto do século passado e tendo como centro irradiador o meio universitário americano, passou a tentar mudar a linguagem como uma forma de mascarar problemas que não conseguia resolver na realidade.

Algumas propostas do movimento se afogaram no próprio ridículo – aquela de chamar carecas de “capilarmente diferenciados”, por exemplo. Outras, porém, terminaram se entranhando de tal forma em nosso modo de falar e pensar que muitas vezes nem nos damos conta da mudança. O substantivo velhice começou por ceder espaço no discurso de muita gente ao eufemismo terceira idade e, em seguida, viu-se substituído por uma formulação francamente apatetada: melhor idade. Como toda droga, esta parece exigir doses cada vez mais fortes.

Não se trata de condenar a herança politicamente correta em bloco. É saudável que se chame a atenção dos falantes para a carga odiosa de racismo embutida num verbo como “judiar”, para citar um exemplo de ampla circulação no português. Judiar, maltratar, nasceu com uma mácula indisfarçável: quer dizer “tratar como se tratam os judeus”. As campanhas para abolir a palavra dos dicionários – que existiram e ainda existem – são equivocadas, pois não compete a lexicógrafos criar o vocabulário de uma língua e sim retratá-lo, mas a conscientização do público é bem-vinda. Cabe a cada um decidir com seus botões se deseja continuar falando assim.

De volta à questão de “todos e todas” – ou “brasileiros e brasileiras”, como José Sarney gostava de abrir seus discursos quando presidente da República –, o modismo tem até nome: “linguagem inclusiva”. Tem também um princípio de aparato legal a protegê-lo, tornando seu uso obrigatório em algumas esferas da administração pública. Basicamente, trata-se de uma bobagem populista – daí seu sucesso com os políticos, cultores por excelência de bobagens populistas. Se é inegável que a ancestral eleição do gênero masculino como universal é um sintoma de machismo da cultura, o que fazer disso é outra história.

O sexo masculino de Deus é mais um sintoma, e nem por isso tem prosperado a tese de Sua bissexualidade. Será que vale a pena encher nossa língua de cacos, redundâncias e pedidos de perdão, como se fôssemos todos(as) advogados(as) gagos(as)? Ou seria melhor se combatêssemos as discriminações reais onde elas de fato causam dano à sociedade, de preferência em linguagem limpa e clara, como adultos?"


Diante das colocações do referido internauta e também do texto acima, gostaria de saber a opinião de alguém da área de Letras da Fecilcam ou de outra Instituição.

2 comentários:

  1. Prezados leitores,
    Uma língua pode ser vista de formas multifacetadas, porém duas são as mais estudadas e, quer nos parecer, parecem pertinentes ao problema em questão. Uma que a entende como um sistema abstrato, um código, que de certa forma a preserva, num movimento centrípeto, bem representado pela gramática normativa que reza seu uso e possibilidades dentro do que considera “padrão”. Outra visão é a de que uma língua é um aparelho ideológico por excelência que reflete toda a história e a cultura de um povo. Daí a dizer que aprender uma língua – sistema - é aprender uma cultura simultaneamente – aprender como as pessoas veiculam e pensam o mundo. Estudar uma língua enquanto uso, implica entender como estas duas visões se encontram e se completam. A língua, como sistema, entra como um suporte, uma estrutura que será recheada pelos sentidos que serão produzidos, construídos interacionalmente pelos participantes do diálogo. Assim, ao falarmos, escrevermos, ao entendermos um discurso sempre temos o “outro” como horizonte. No momento da compreensão, entram na arena discursiva, em sintonia ou em atrito, todos os valores, as ideologias, as crenças construídas socialmente. Por esta razão, muitos preconceitos internalizados são manifestados pela linguagem de forma natural, sendo firmados e confirmados constantemente pelos constituintes da interação. Cabe a nós, professores de línguas – materna ou estrangeira, desnaturalizar o discurso para que percebamos quanto de fato está sendo dito e quanto já está somente sendo reforçado. Precisamos ensinar os estudantes a VER e a ENTENDER o discurso. O uso de chavões como – Brasileiros e brasileiras, a todos e a todas –podem ser explicados muito mais pela intenção, digamos ,“afetuosas” de chamar para si a maior parte do quinhão de votos do povo brasileiro do que realmente de valorizar a mulher, cuja discriminação real na vida tem sido efetuada e perpetuada constantemente nas ações concretas e nas simbólicas, via discurso, nem que para tanto os propositores de tais discursos tenham que “infringir” as leis que regem o sistema abstrato da nossa língua.

    Edcleia A. Basso
    Doutora em Lingüística Aplicada pela UNICAMP

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  2. Entendi bem a colocação de Mayub; precisa e esclarecedora. Já a doutora Basso, achei ambígua. Parece afirmar que é preciso ser 'politicamente correto' caso sejamos professores (Ver/Entender)... Ora, é necessário que os 'professores' relativizem os 'modismos' antes de tudo. Língua como AIE, língua = cultura, tudo bem, mas ritualizar cinicamente modismos encobridores, populistas, fingindo que se resolve problemas mudando palavras, é demais! Tem um aspecto cômico nisso; risível! Talvez seja mais útil um pouco de psicanálise aí. Que sintoma é esse? Acho que é coisa de 'miolo mole', sinceramente. 'Todos e todas', etc., é o cúmulo da mascarada, é um esforço tolo que só conduz ao auto-engano. Bobagem sem tamanho! Parabéns ao Mayub!!!!

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